Prefeitura de Joinville é condenada por convênio ilegal na área da saúde!
Por Alexandre Mandl*
Vitória da luta por um serviço público de qualidade!
Mas a luta contra a terceirização no setor público continua!
No último dia 03 de junho a 2ª Vara do Trabalho de Joinville, nos autos do processo nº 0000620-18.2014.5.12.0016, que tem como autor o Ministério Público do Trabalho, condenou a Prefeitura de Joinville por inconstitucionalidade da lei que criava convênio com entidade privada para o setor da saúde.
Vejamos a conclusão da sentença proferida:
“Por todo o exposto na fundamentação supra, que integra o presente para todos os efeitos legais, rejeito as preliminares, e no mérito, ACOLHO os pedidos formulados pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO, para condenar o 1º RÉU, MUNICÍPIO DE JOINVILLE a se abster de celebrar “termo de Convênio” com o “Instituto Vida de Assistência e Saúde” para fornecimento de profissionais médicos para prestação de serviços nas unidades públicas, nos, nos moldes do modelo anexo ao Projeto de Lei 66/2014, bem como de celebrar “Termo de Convênio”, “Termo de Parceria” ou qualquer outro instrumento destinado a pactuar o fornecimento de profissionais médicos para prestação de serviços nas unidades públicas de saúde, em moldes iguais ou similares ao modelo anexo ao Projeto de Lei 66/2014, sob pena de multa de R$10.000,00, por cada descumprimento, revertido ao Fundo Estadual de Saúde”. (grifo nosso).
Trata-se de uma grande vitória da população de Joinville, dos servidores públicos municipais e de todos que lutam contra a precarização do atendimento à saúde e das relações de trabalho.
Assim, julgou-se “inconstitucional a Lei nº 66/2014”, batalha esta travada pelo Sinsej, entendendo que a proposta de convênio apresentada pela Prefeitura atacada os princípios básicos do atendimento à saúde e dos direitos historicamente conquistados pelos servidores públicos.
Vale esclarecer que, com ingresso desta medida judicial na 2ª Vara do Trabalho de Joinville, houve o deferimento da antecipação de tutela, impedindo a realização do convênio. A Prefeitura ingressou com um Mandado de Segurança no Tribunal Regional do Trabalho, conquistando a cassação desta antecipação de tutela, permitindo a concretização do Convênio. O mesmo, portanto, se realizou.
Os argumentos apresentados pelo Sinsej durante toda esta batalha são os mesmos que os apresentados pelo Ministério Público do Trabalho e utilizados, de forma taxativa pelo Juiz Rogério Dias Barbosa.
Primeiramente, como alertávamos, essa contratação não resolveria os problemas apresentados quanto à necessidade de médicos no atendimento público. A questão é bem mais ampla. Diz o Juiz:
“Referido convênio, combatido pelo autor dessa ação, foi firmado com o Instituto Vida em maio de 2014. Um ano já se passou. O convênio foi renovado, mas os problemas na área de saúde pública persistem. Essa semana, a propósito, outros problemas de atendimento médico público em Joinville foram noticiados pela imprensa local. É certo que a saúde e a vida não podem esperar, como enfatizou a Prefeitura”.
E continua, de forma precisa, explicando o que realmente está em jogo:
“No entanto, não se pode admitir que o poder público continue adotando medidas que não resolvam satisfatoriamente o problema, retiram a transparência que deve imperar no serviço público e geram ônus ao erário”.
E mais, o Juiz, brilhantemente, entende a verdadeira manobra que foi feita, como o Sinsej havia denunciado:
“Na prática, o que está se passando em Joinville é a assunção de quase todo o atendimento médico de unidades de saúde por uma entidade privada. O que causa mais estranheza é que vários dos médicos dessa entidade privada são os mesmos que eram servidores municipais concursados. Esses profissionais pediram exoneração do serviço público e foram contratados pela entidade privada para continuarem a prestação dos mesmos serviços públicos. Não há o mínimo de razoabilidade nisso”.
Corretamente, o Juiz explica que:
“O argumento da Prefeitura de que não existem profissionais suficientes para contratação por concurso é uma falácia. Tanto existem que uma entidade privada de Garuva, Município vizinho de Joinville, que possui cerca de 15 mil habitantes, contratou diversos profissionais para a prestação de serviços médicos em Joinville, que possui aproximadamente 500 mil habitantes”.
A manobra foi muito escancarada, Prefeitura! O Sinsej havia denunciado este duro ataque ao conjunto da população e o erro ao reproduzir a lógica de privatização da saúde e de terceirização destes serviços, e, por isso, tal posicionamento seria inconstitucional.
Assim entendeu o Juiz:
“A regra constitucional permanece em vigor. Os serviços públicos devem ser prestados por pessoas contratadas mediante concurso (art. 37, II, da Constituição). O alegado desinteresse da classe médica em participar dos concursos não pode servir de salvo-conduto para a mera terceirização desses serviços”.
E o Juiz continua, respaldando o que o Sinsej tem combatido arduamente nos últimos anos – de que haja uma verdadeira política de valorização dos servidores públicos.
“Ao invés de adotar medidas paliativas, o poder público deveria investir na implementação de política de valorização dos servidores municipais, tornando atrativa a carreira, para que um melhor serviço de saúde seja oferecido à população, com a contratação de pessoal concursado”.
E, por fim, o Juiz escancara mais um dos falsos argumentos apresentados pela Prefeitura, que dizia ser um convênio temporário, mas não havia nenhuma limitação temporal, podendo ser renovado por prazo indeterminado. Ora, questiona o Juiz:
“A Lei Municipal que autorizou a contratação de convênio com entidade privada, com elevado encargo financeiro, não possui nenhuma limitação temporal, pois o convênio pode ser renovado por indeterminadas vezes. Ora, se a justificativa para a aprovação da lei municipal era a situação emergencial, decorrente da exoneração em massa de médicos concursados e elevada demanda de pacientes, não se justifica que se autorize a renovação indeterminada do convênio, pois o poder público poderia, e deveria, estabelecer um tempo razoável para sanar o problema ocorrido”.
Por tudo isso, decidiu o Juiz:
“Portanto, declaro a inconstitucionalidade da lei que autorizou a Prefeitura a firmar convênio com entidade privada para prestação de serviços médicos, uma vez que extrapola o limite estabelecido pelo parágrafo 1º do art. 199 da Constituição, que determina que a participação da iniciativa privada seja complementar e não primordial ao sistema único de saúde”.
Aqui vale somente uma observação que, na opinião do Sinsej, mesmo este parágrafo primeiro é indevido, defendendo historicamente a posição de um serviço 100% público, gratuito, para todos e de qualidade. E, por isso, não entendemos que nem mesmo de forma complementar deve ser prestado convênio com entidade privada na área da saúde.
Nesse sentido, concordamos com o Juiz quanto à centralidade da inconstitucionalidade apresentada. Segue o Juiz na conclusão de sua sentença:
“A inconstitucionalidade também reside na investidura de profissionais em cargo público sem a realização de concurso (art. 37, II, da Constituição), utilizando-se para isso de uma empresa interposta”.
Esta é a questão central que o Sinsej tem combatido diariamente. Não somente na área de saúde, mas, concretamente em todo o serviço público. Temos visto em todo o Brasil e, em Joinville não é diferente, o falso argumento de que a privatização e a terceirização do serviço público melhora o atendimento à população e garante mais direitos aos trabalhadores.
Tal argumento é falacioso, como disse o Juiz, a partir deste caso concreto. Ou seja, não somos somente nós do Sinsej.
Somos contrários a terceirização como um todo, e mais ainda no serviço público. Há uma concepção de que a eficácia e a eficiência seriam alcançadas com métodos de gestão privada, o que não se confirmou, dada a natureza particular do setor público. Outro argumento é de que os administradores têm maior liberdade de “manusear” a força de trabalho terceirizada em prol das suas finalidades políticas e administrativas. Além disso, dada à inexistência de investimentos, a terceirização pode, para alguns, ser um mecanismo de financiamento de campanhas eleitorais.
Outro argumento se refere à Lei de Responsabilidade Fiscal. Não somos defensores da Lei de Responsabilidade Fiscal porque é uma clara intenção não como diz o nome, mas sim de atacar os serviços públicos, precarizando as condições de atendimento e os direitos historicamente conquistados. Mas sabemos que a Terceirização no Serviço Público é uma forma de driblar da Lei de Responsabilidade Fiscal, já que a terceirização da atividade e seus trabalhadores não é computada como gasto de pessoal.
É o que nos ensina do Professor José Dari Krein, do Instituto de Economia da Unicamp:
“A terceirização no setor público tem uma dinâmica própria, hoje localizada não só nas atividades de apoio, mas também nas atividades-fim, tais como saúde, com as Organizações Sociais. Nas empresas estatais, ela também tem forte incidência. Por exemplo na Petrobras, que, para cada um trabalhador direto, há quatro terceirizados. Houve uma opção, a partir do FHC, de privilegiar a terceirização em detrimento da realização do concurso público” (Krein, 2013).
Lembrando também o que Maria Conceição esclarece:
“A terceirização no setor público confunde-se com o próprio processo de redução do tamanho do Estado e a privatização. Por meio de diferentes formas hoje adotadas no setor público, a terceirização tornou-se de grande importância no debate sobre o Estado”. (Conceição, Maria da Consolação Vegi. A terceirização e sua controvérsia jurídica. 2002).
Diante de tudo isso, é evidente que estamos diante de uma grande vitória dos que defendem um setor público de qualidade, gratuito e para todos. No entanto, a luta contra a terceirização como um todo, e, em especial, no setor público continua.
Estamos perplexos com os rumos da terceirização no serviço público, em especial com o julgamento no Supremo Tribunal Federal da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1923, no último dia 15 de abril de 2015, que acabou por legitimar e ampliar a terceirização no setor público. Uma verdadeira aberração jurídica, garantindo a constitucionalidade da Lei nº 9637/98 (com redação da Lei nº 9648/98), ambas editadas por Fernando Henrique Cardoso.
Voto vencido, o Ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal, foi preciso:
“A modelagem estabelecida pelo Texto Constitucional para a execução de serviços públicos sociais, como saúde, ensino, pesquisa, cultura e preservação do meio ambiente, não prescinde de atuação direta do Estado, de maneira que são incompatíveis com a Carta da República leis e programas de governo que emprestem ao Estado papel meramente indutor nessas áreas, consideradas de grande relevância social pelo constituinte.
A extinção sistemática de órgãos e entidades públicos que prestam serviços públicos de realce social, com a absorção da respectiva estrutura pela iniciativa privada – característica central do chamado “Programa Nacional de Publicização”, de acordo com o artigo 20 da Lei nº 9.637/98 –, configura privatização que ultrapassa as fronteiras permitidas pela Carta de 1988.
O Estado não pode simplesmente se eximir da execução direta de atividades relacionadas à saúde, educação, pesquisa, cultura, proteção e defesa do meio ambiente por meio da celebração de “parcerias” com o setor privado”.
Nesse sentido, o Juiz do Trabalho e Professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, Jorge Luiz Souto Maior ensina:
“O resultado dessa (ir)racionalidade neoliberal foi fazer letra morta da Constituição, pois quando a Constituição preconiza que os serviços na saúde (CF, art. 199, caput), na educação (CF, art. 209, caput), na cultura (CF, art. 215), no desporto e lazer (CF, art. 217), na ciência e tecnologia (CF, art. 218) e no meio ambiente (CF, art. 225) são serviços públicos e que “são deveres do Estado e da Sociedade”, estando “livres à iniciativa privada”, o que pretendeu foi deixar claro que as entidades privadas que se ativarem nesses setores não poderão visar apenas o lucro, estando obrigadas a respeitarem as finalidades próprias da prestação de um serviço público, buscando, em primeiro plano, a satisfação dos interesses da sociedade, cumprindo ao Estado, isto sim, a obrigação de impedir a mera mercantilização desses serviços ao mesmo tempo em que lhe compete programar e efetivar políticas públicas para a execução desses serviços e não simplesmente transferir sua responsabilidade para o setor privado, entregando a este dinheiro e bens públicos, ainda mais sem licitação, de modo, inclusive, a afastar a garantia constitucional do acesso democrático ao serviço público pela via do concurso, tudo em nome de uma suposta eficiência” (http://www.viomundo.com.br/denuncias/jorge-souto-maior-stf-legitimou-e-ampliou-a-terceirizacao-do-servico-publico.html)
Portanto, concordamos com a conclusão do Juiz e Prof. Jorge Luiz Souto Maior:
“A sensação que fica é que todos que lutam contra a terceirização foram induzidos a um grande erro, envolvidos em um “jogo de cena” de muitos atores que serviu, propositalmente, para impedir a formulação de uma compreensão e, consequentemente, à organização de uma resistência popular a respeito dos propósitos privatizantes e precarizantes inseridos no objeto do julgamento da ADI 1923.
A luta contra o PL 4.330/04 precisa continuar, por certo, mas há de se reconhecer que a desarticulação e um envolvimento mais consistente contra a terceirização em si, em todos os níveis, já deixaram essa grande baixa, que foi o julgamento da ADI 1923. Para que se vislumbre uma reversão da situação ou se evitem danos maiores, é preciso que essa questão seja inserida nas reações de todas as pessoas e entidades que se ponham em defesa da ordem constitucional e dos direitos sociais. Sobretudo precisam tomar ciência da situação aqueles que serão diretamente atingidos por ela, quais sejam, os servidores públicos e os consumidores desses serviços
Um dos grandes problemas da terceirização, que é o da sua inserção na administração pública, que afronta a Constituição e que favorece à corrupção e ao desvio de verba pública, sem perder, por certo, a sua característica básica que é a precarização, está correndo, de forma livre, ao largo das mobilizações, legitimando-se e até ampliando-se.
Certo que se esses dispositivos de lei foram declarados constitucionais, também podem ser revogados por lei posterior. É certo também que essa lei específica, para ter vida concreta, precisa da efetivação de convênios e estes podem vir a existir, ou não. Mas, em concreto, é essencial que este tema seja inserido, com urgência, na pauta de discussões em torno do PL 4.330/04, para que se tenha um alcance real da problemática que envolve a terceirização e para que se possa implementar uma resistência consistente à precarização do trabalho e à destruição plena do projeto constitucional de Estado Social” (http://www.viomundo.com.br/denuncias/jorge-souto-maior-stf-legitimou-e-ampliou-a-terceirizacao-do-servico-publico.html)
Por tudo isso nosso combate continuará, nas ruas e lutas. Não temos ilusão no Poder Judiciário. Cumpre-se uma boa tarefa de resistência, mas o Sinsej sabe que o motor da história é a luta de classes, e somente com a organização classista conseguiremos reverter, definitivamente, esta ordem social capitalista que necessita transformar tudo em mercadorias. Resistiremos!
* Alexandre é Advogado do Sinsej