Por que precisamos trabalhar mais de 44 horas por semana?
No último mês de julho diversos servidores foram notificados pelo Município de Joinville a prestar esclarecimentos acerca do acúmulo de cargos públicos que possuem. Com isso, o Município fez ameaças de instauração de Procedimento Administrativo Disciplinar (PAD) e exoneração dos trabalhadores que possuíssem carga horária superior a 60 horas semanais.
Para além da questão legal nos cabe questionar: o que leva o servidor público a trabalhar mais de 60 horas semanais? Para abordar essa questão, é preciso primeiro um pequeno resgate histórico sobre a jornada de trabalho.
Entre os séculos 18 e 19, notadamente começo da Revolução Industrial, o tempo dedicado ao trabalho incluía jornadas de 12 a 16 horas diárias. Não havia qualquer pausa no final de semana, além de baixos salários e péssimas condições de trabalho. Uma jornada visivelmente exploratória.
Com o avanço dos movimentos reivindicatórios, chegamos ao que definimos hoje como jornada de trabalho. No Brasil é de 44 horas semanais, com no máximo 8 horas diárias. Em democracias mais avançadas, como é o caso da França, trabalha-se 35 horas por semana.
É evidente que ainda podemos – e devemos – avançar mais neste quesito aqui no Brasil. Existem lutas e campanhas no país pela redução da jornada de trabalho para 40 horas semanais.
Disso poderíamos concluir que hoje nenhum trabalhador se vê obrigado a trabalhar mais do que a jornada de trabalho regulamentada. Uma vez que o seu salário, fruto do seu trabalho assalariado, deve suprir as suas necessidades. Porém, observamos que esta não é a realidade.
Dessa forma, voltamos a nossa dúvida inicial: mesmo com a evolução no direito à jornada de trabalho, por que muitos de nós trabalhamos em mais de um emprego e num total superior às 44 horas semanais, chegando a acumular mais de 60 horas?
A resposta é clara: a necessidade. Necessidade de ter um salário digno, que seja suficiente para o sustento da família. Necessidade de planejar o futuro com uma aposentadoria, de garantir o mínimo acesso ao lazer e à cultura, entre outras.
Dentre vários elementos que criam estas necessidades, alguns deles se destacam. A falta de valorização profissional com baixa remuneração, falta de um plano de cargos e salários com perspectiva de crescimento e aprimoramento pessoal, além do total abandono do serviço público empurram centenas de servidores à dupla jornada laboral.
Essa realidade atinge a muito mais servidores que os notificados recentemente. A quantidade de trabalhadores que cumprem dupla jornada – dois cargos públicos, ou um cargo público e um emprego na iniciativa privada – é alarmante.
Além do efeito mais visível, que é permanecer mais tempo trabalhando do que em outros afazeres, a prática da dupla jornada de trabalho leva a outras situações tão desastrosas quanto. O trabalho excessivo e, em muitas situações em condições de stress, acarreta um grave prejuízo à saúde do servidor, aumentando os casos de afastamentos médicos ou o trabalho doente.
Com isso, há também uma diminuição da qualidade de vida do servidor, uma vez que passa mais tempo em seus afazeres laborais do que em qualquer outra atividade. Isso tudo, afetando diretamente a participação dos trabalhadores nos movimentos sociais e reivindicatórios, pois trabalham em período muito maior e ainda amplia a capacidade de endividamento, com toda sorte de empréstimos e compras consignadas.
É evidente que nenhum trabalhador deveria ser obrigado, pela situação econômica, a ultrapassar o teto de sua jornada. Só conseguiremos mudar essa realidade através de nossa organização e luta. É preciso avançar em pontos cruciais da carreira do servidor, com reajustes salariais para além da reposição salarial, criação de um plano de carreira e valorização do serviço público.
*Felippe Michel Veiga é advogado do Sinsej.