10 anos do Piso Nacional do Magistério: devemos comemorar?

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Em 16 de julho de 2008 era sancionada a Lei 11.738/08 – a Lei do Piso Salarial Profissional do Magistério. Considerada, à época, um enorme avanço na valorização dos profissionais da educação, a lei foi comemorada por sindicatos, associações, entidades e profissionais diversos, que lutam por educação pública e de qualidade neste país.

A lei apresenta dois fatores determinantes para a valorização profissional e para a qualidade de vida dos profissionais da educação básica pública. Primeiro, fixa um valor para o piso profissional nacional, ou seja, um salário mínimo a ser pago a qualquer profissional em qualquer lugar do território brasileiro. Depois, reserva um espaço mínimo de tempo, dentro da jornada de trabalho, para que o profissional execute atividades de planejamento, estudo, preparação e correção de conteúdos e avaliações.

Analisemos como, 10 anos após, estão implantadas, na prática, essas medidas.

O salário mínimo dos professores

Até 2008, cada sistema de ensino (estado ou município) fixava sua própria política salarial para o magistério. Havia no país enormes discrepâncias, ao ponto de muitos professores trabalharem por um salário mínimo nacional ou menos até do que isso. Em dezembro de 2006, com a criação do Fundeb, ocorre uma universalização das regras do financiamento da educação básica no país, o que possibilita discutir e implementar também regras mínimas de valorização do salário e da carreira dos docentes.

Já no seu primeiro ano, a lei do piso estabelece um valor de R$ 950 como salário mínimo a ser pago a um profissional do magistério, cuja formação fosse em nível médio. Estabelece, também, que essa base salarial se aplica ao profissional com jornada máxima de 40 horas semanais e que sirva de parâmetro para início de carreira. Importante registrar que a lei entende como “profissional do magistério” todas as funções de docência ou de suporte pedagógico à docência (administração, supervisão, orientação, coordenação…).

Depreende-se, portanto, que desde 2008 temos um valor mínimo para o início da carreira no magistério, fixado para os cargos com formação em nível médio e que seria a partir deste valor que se estabeleceriam as tabelas salariais e a carreira profissional, com respeito às formações superiores, acessos e demais quesitos que os PCCSs disponham.

A própria lei estabelece os critérios para reajuste do valor do Piso, que assim evoluiu ao longo dos anos:

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Assim, em 10 anos, o Piso Nacional do Magistério evoluiu 101,04%. No mesmo período, o INPC acumulou 54,45%. Em Joinville, para efeitos de comparação, os salários gerais dos servidores receberam neste período reajuste de 60,88%.

No Brasil todo se observou um fenômeno, temido pelas entidades sindicais: aos poucos, o piso de referência passa a se tornar o teto do salário do magistério, ao passo que os diferentes governos reajustam os salários dos professores com formação em nível médio de acordo com a lei, enquanto o reajuste salarial dos professores com nível superior segue a negociação geral do funcionalismo. Essa situação gerou casos esdrúxulos, como em Garuva, onde o professor com formação em nível superior recebe cerca de R$ 10 apenas acima do professor com formação em nível médio.

Em Joinville, o cargo de professor nível médio está em extinção, mas continua sendo a referência na tabela e no PCCS do Magistério. A prática da Prefeitura consiste em não reajustar o piso. Enquanto o piso salarial nacional está hoje em R$ 2.455, 35, o piso na Prefeitura de Joinville está em R$ 2.170,09. O Plano de Carreira do Magistério em Joinville prevê um acréscimo de 50% para o vencimento em nível de graduação. Isso significa que, com base no atual piso salarial nacional, o vencimento inicial de um professor graduado hoje deveria ser R$ 3.683,02. Se considerarmos o piso real praticado (R$ 3.245,43), sofremos uma perda mensal de R$ 437,59 – somente para os professores em início de carreira. No ano, a perda chega a quase R$ 6 mil. Obviamente, a perda é maior para quem possui tempo de serviço, pós graduação e acesso de cursos de capacitação.

Isso demonstra que, na prática, a prometida valorização não passou de um engodo. Os governos manipulam as tabelas salariais, mantendo achatados os vencimentos dos profissionais do magistério, sob os olhos complacentes do Judiciário e do governo federal.

Confira abaixo uma comparação dos pisos de ingresso pagos atualmente nos estados da federação:

imagem 2Como se percebe, uma grande parte dos estados transformou o piso de nível médio em salário real dos profissionais com nível superior – desqualificando totalmente a proposta original da Lei 11.738/08. Há muita pouca informação atualizada sobre a realidade nos municípios. Em junho de 2017, segundo levantamento do Diário Catarinense, a média salarial nacional dos professores municipais era de R$ 2.598,84. Isso considerava todos os professores em atuação naquele momento, com carreira, formação e tempo de serviço. O mesmo estudo apontava que 40% dos municípios catarinenses pagavam salários reais aos seus professores abaixo da média nacional, com 64 municípios pagando salários médios abaixo do piso nacional. Joinville aparecia em 7º lugar no ranking salarial dos professores, atrás de Jaraguá do Sul, Ibiam, Florianópolis, Campo Erê, Porto União e Mafra.

Na prática, os professores que percebem uma remuneração acima da média não devem essa realidade à legislação nacional, à interferência do Judiciário – mas, sim, à luta organizada de sua própria categoria, dentro do seu próprio sistema de ensino.

A polêmica da hora-atividade

Segundo a Lei 11.738/08, em seu § 4º do Art. 2º, “Na composição da jornada de trabalho, observar-se-á o limite máximo de 2/3 (dois terços) da carga horária para o desempenho das atividades de interação com os educandos”. Ou seja, no mínimo um terço (33,33%) da jornada do professor deve ser reservada para atividades de planejamento, estudo, correção e preparação de provas e atividades – sem interação com os alunos. Se o professor trabalha 40 horas-aula semanais, no mínimo 13 horas-aula deveriam ser reservadas para seu planejamento. Restariam, como aulas efetivamente trabalhadas com os alunos, no máximo 27 horas-aula.

Brasil afora os governos ignoram e/ou deturpam completamente o texto da lei. Como ampliar a hora-atividade implica em contratar mais professores para assumir as horas-aula efetivamente trabalhadas em sala com os alunos, as Secretarias de Educação forjam a realidade para escapar ao cumprimento da Lei. A discussão de valorização e melhoria da qualidade de vida e de trabalhos dos docentes vira uma mera preocupação contábil, em que os governos esforçam-se para economizar cada centavo, destinando o dinheiro para obras, materiais e equipamentos (quando não para setores fora da educação).

Há no Brasil inúmeras ações judiciais neste momento, tramitando nas mais diversas comarcas e instâncias do Judiciário, a fim de exigir o cumprimento da Lei. Em sua defesa, os governos criam teses absurdas, em que computam tempo de intervalo das escolas, horas que não estão previstas no calendário escolar e outros malabarismos para comprovar a oferta de um terço de hora-atividade. É comum também os sistemas confundirem hora-aula com hora-relógio. Daí atribuem a jornada do professor em hora-relógio, quando na prática distribuem sua atuação em horas-aula de 40, 45 ou no máximo 50 minutos. A diferença para os 60 minutos da hora-relógio é computada como hora-atividade. Uma manobra grosseira para mascarar a precariedade das condições de trabalho dos docentes – um verdadeiro insulto à categoria.

Na prática, bem poucas cidades e estados cumprem o percentual indicado na Lei. Itapoá é um exemplo em que os professores são ludibriados no cômputo da sua jornada, mesclada em hora-aula e hora-relógio. Em Joinville, até 2009 não tínhamos hora-atividade reservada na jornada de trabalho. A Prefeitura remunerava em 10%, a título de hora-atividade, mas todos cumpriam toda a jornada em sala de aula. A partir de 2009, já na vigência da lei do piso, foi instituída a hora-atividade de 20%.

Em 2014, a Prefeitura de Joinville comprometeu-se com a implantação integral dos 33,33% de hora-atividade, o que deveria acontecer de forma escalonada até o início de 2019. Estamos às vésperas de se completar o prazo deste acordo. Na prática, a Prefeitura implantou, com algumas distorções, o terço de hora-atividade na Educação Infantil, já no ano de 2015. Agora, em 2018, inicia a implantação nas séries iniciais do Ensino Fundamental. Nas séries finais, porém, a proposta era a implantação gradual ao longo dos cinco anos. Até o momento, porém, não avançou nenhuma aula.

Só a luta organizada garantirá valorização e qualidade de trabalho

Desde 2010, o cumprimento integral da Lei 11.738/08 tem sido item permanente na pauta de reivindicações da categoria. Estamos 10 anos atrasados na implantação da hora-atividade. Quanto ao salário, se não ocorrer uma mudança significativa na política salarial, poderemos ver nossa carreira ser achatada, a exemplo do que ocorreu no estado e em diversos municípios. Neste quesito, o município de Araquari deu um importante exemplo este ano, ao aprovar Lei municipal vinculando o reajuste dos salários do magistério ao reajuste do piso salarial nacional. Ou seja, daqui pra frente, o salário de todos os professores na cidade vizinha será reajustado nos mesmos índices do piso nacional e na mesma data-base – janeiro.

Ao sancionar a Lei em 2008, o então presidente da República cedeu à pressão dos governadores e vetou um importante artigo – o que previa a punição aos governos que a descumprissem. Foi esse o precedente para que, Brasil afora, estados e municípios ajam de forma tão distinta. Enquanto alguns governos, pressionados pelos trabalhadores, foram mais longe na valorização dos profissionais do magistério – seja no salário, seja nas condições de trabalho – a maioria busca brechas para ganhar tempo e não cumprir a lei.

O que faz valer a lei é a capacidade de unidade, organização e luta do magistério. São os próprios profissionais do magistério que precisam compreender a importância da sua profissão e buscar a valorização ideal para o seu trabalho. Este é o momento propício para essa discussão e para a ação.

Participe do Seminário que vai debater mais amplamente esta questão. Será dia 24 de abril, às 19 horas, no Sinsej.

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