Caos na saúde pública de Joinville
A saúde pública de Joinville enfrenta uma grave situação de superlotação. A estrutura e número de profissionais não acompanham o crescimento das necessidades da cidade. Em especial desde dezembro de 2018, pacientes e servidores relatam que a situação está ainda pior. Enquanto isso, o valor investido na saúde da cidade e a quantidade de servidores diminuíram.
Aumento da demanda x número de servidores
Joinville é uma cidade que cresce e, com ela, eleva-se a demanda no Sistema Único de Saúde (SUS). Segundo dados do IBGE, a população do município era de 515.588 habitantes em 2010. Em 2018, a estimativa para este número era de 583.144, um aumento de 13,10%.
Outro fator que influencia na ampliação da demanda da rede pública é a diminuição de pessoas que possuem planos de saúde na cidade. Entre 2015 e 2018, mais de 10 mil joinvilenses perderam este benefício em decorrência do desemprego. Os dados são da Agência Nacional de Saúde Suplementar. Além disso, é preciso considerar o aumento populacional de toda a região, já que pacientes de diversos municípios são atendidos em Joinville.
Enquanto isso, os investimentos não acompanham a demanda. O último concurso público para a Prefeitura de Joinville foi realizado em 2014 e, desde então, o número de profissionais efetivos diminui todos os anos. De acordo com estatísticas do Instituto de Previdência dos Servidores de Joinville, entre 2015 e 2018, a cidade perdeu quase 400 funcionários concursados, passando de 10.841 para 10.450 trabalhadores na ativa. O número de contratados temporários, por sua vez, não dá conta de suprir esta diferença e o aumento da demanda.
O dinheiro destinado ao setor também diminuiu no último ano. Em 2017, o município investiu 41,31% da receita na saúde e, em 2018, diminuiu para 38,94%.
Hospital São José
No São José, a situação é alarmante. No Relatório de Indicadores do Hospital de junho de 2018¹ verifica-se um aumento da demanda em todos os setores. Só no Pronto Socorro, a média é de 1,2 mil pacientes a mais por mês do que em 2015.
Ano após ano, a taxa de ocupação do hospital está sempre acima da capacidade suportada.
Já o número de funcionários teve um crescimento quase inexistente, passando de 1.416, em 2015 para 1.445, em 2018.
Esse descaso gera situações perigosas para usuários e servidores. O Conselho Federal de Enfermagem possui uma resolução determinando quantos pacientes podem ficar sob a responsabilidade de um profissional concomitantemente. Essa regra varia conforme a complexidade de cada caso, mas, no São José, um técnico que deveria cuidar de no máximo sete pessoas chega a atender dez ao mesmo tempo.
Outro fator onde é possível perceber a falta de investimentos é no número de leitos do hospital, que em 2015 era de 255 e, em junho de 2018, diminuiu para 252.
Denúncias de servidores² dão conta de que há uma grande pressão dentro do São José para que pacientes recebam alta antes de realmente estarem em condições e, assim, liberarem macas. Esta situação gera o agravamento de quadros clínicos, a reincidência e pode levar a mortes.
Os funcionários também denunciam que recorrentemente há falta de medicamentos e materias no hospital. “Neste momento, está faltando soro fisiológico de 500 e de 1000 ml, mas semana passada eram de 250 e 500 ml, muitos tipos de medicação também estão faltando e agulhas de insulina por alguns dias”, denuncia funcionário que não quer ser identificado. “Sempre tem produtos faltando, o que dificulta muito o nosso trabalho”.
Problemas em toda a rede
No que se refere às demais áreas da saúde pública municipal (que compreende unidades básicas de saúde, Pronto Atendimentos, laboratório, estratégias, entre outros), o número de profissionais também não acompanha o crescimento das necessidades da cidade. O Relatório de Gestão em Saúde do Município referente a 2015 informava a existência de 3.174 trabalhadores (excetuando-se os funcionários do São José). Já o último relatório divulgado em 2017, indicava 3.147, uma diminuição de 27 profissionais. Essa tendência é confirmada pelas estatísticas do Ipreville, que, considerando apenas os servidores efetivos, mostram a diminuição de 52 pessoas na ativa entre 2015 e 2018.
Estes números demonstram que as notícias alardeadas pela Prefeitura sobre a expansão da cobertura da Estratégia Saúde da Família (ESF) no município não significam um aumento real na capacidade de atendimento, mas apenas redistribuição dos mesmos profissionais e a manipulação das informações para enganar a população. Outra evidência disso é que existem hoje em Joinville 49 Agentes Comunitários de Saúde a menos que em janeiro de 2016. Este dado está disponível no Portal Transparência do município.
A maquiagem também está no aumento do horário de atendimento nas unidades de saúde, onde equipes já desfalcadas se dividem para manter o local aberto sem poder atender realmente o número maior de usuários.
Além disso:
- A UBSF Leonardo Schlickmann, no Iririú, está fechada para reforma e a população da área está tendo que se deslocar até a UBS do Saguaçu, onde as equipes das duas unidades dividem um local insuficiente.
- A UBSF Jardim Iririú foi reinaugurada recentemente, mas com falta grave de pessoal.
- Em muitos locais, ACSs estão fazendo o trabalho interno por falta de profissionais nas unidades, o que diminui a possibilidade de atendimento na comunidade.
A falta de investimentos nas unidades básicas de saúde e na Estratégia Saúde da Família impacta diretamente no número de pessoas que chegam aos PAs e hospitais já gravemente doentes. Isso porque são elas que realizam a prevenção, diagnóstico, tratamento, reabilitação, redução de danos e manutenção da saúde da população.
Pelo que lutamos
Joinville precisa de abertura urgente de um novo concurso, de mais unidades de saúde e de um novo hospital público. No entanto, todos os prefeitos que se sucedem afirmam que não há dinheiro.
Em meados de 2018, o então governador do estado prometeu o repasse de seis parcelas de R$ 3 milhões para ajudar no custeio da folha do São José, mas em seguida os valores começaram a ser atrasados. Udo Döhler vangloria-se de destinar para a saúde mais do que o percentual mínimo estipulado na Constituição. Porém, este valor ainda é claramente insuficiente e – como explicado acima, diminuiu no último ano.
No jogo de empurra entre município, estado e União, quem morre é o povo pobre. A classe trabalhadora e suas organizações devem colocar como suas lutas prioritárias o estabelecimento de um Sistema Universal de Saúde Pública federal, gratuito e de qualidade para todos os cidadãos.
Dinheiro existe, mas para isso é preciso que o governo federal e o Congresso Nacional destinem os recursos públicos para a saúde e não para os banqueiros. Todos os anos, quase metade do orçamento da União vai para pagar a dívida pública – que não foi o povo que fez e que já foi paga há muito tempo. Enquanto isso, a saúde recebe cerca de 4% do orçamento. Além disso, mecanismos como a Desvinculação de Receitas da União e a Lei de Responsabilidade Fiscal – que limita a contratação de servidores e condiciona o orçamento de estados e municípios ao pagamento da dívida com a Federação – diminuem ainda mais os recursos. A situação se agravou com a Emenda Constitucional 95, do governo Temer, que congelou investimentos públicos por 20 anos.
O Sinsej está ao lado dos servidores e da população de Joinville para ajudar a organizar a luta pela saúde pública, gratuita e para todos na cidade. Também chama a categoria a se integrar nas questões nacionais que impactam diretamente a vida de cada cidadão.
¹ Os dados mais atualizados sobre a situação do São José não podem ser consultados porque a Prefeitura retirou os Relatórios de Indicadores do hospital do site em 27 de novembro de 2018 “para atualização” e ainda não os republicou.
² O nome dos servidores entrevistados não será revelado para evitar retaliações nos locais de trabalho. O São José é conhecido por transferir e prejudicar trabalhadores que se envolvem nos movimentos reivindicatórios e denunciam a situação no interior do hospital.