10 anos de Movimento das Fábricas Ocupadas

Por Ulrich Beathalter

Há dez anos os trabalhadores da Cipla iniciavam um movimento que se tornou um marco na história do movimento operário do Brasil e do mundo. Depois de meses sem salário, sem o depósito do FGTS, sem recolhimento de INSS, frustradas todas as tentativas de negociação com o patrão, não restou alternativa a não ser ocupar a fábrica e manter a produção, na esperança de salvar os empregos e o pagamento dos salários.

Como em vários exemplos que assistimos em nossa própria cidade, o patrão deliberadamente abandona a empresa e os trabalhadores à própria sorte. Passa os últimos anos sugando tudo o que pode do trabalho de seus funcionários, engorda suas contas no exterior, adquire propriedades em nome de laranjas, enquanto observa a fábrica morrer aos poucos, asfixiada pelas dívidas trabalhistas, impostos e não pagamento de fornecedores.

Via de regra, os trabalhadores só se dão conta do problema anos após o processo de desmonte ter iniciado. Confiando na Justiça, nos empréstimos do BNDES, na capacidade do empresário reverter a situação, na maioria das vezes os operários esperam pacificamente, até o dia em que encontram os portões fechados e o aviso da falência decretada. A essa altura, os patrões estão bem longe, sentados sobre sua fortuna, fumando charutos importados, uísques dos mais caros, curtindo seus iates de luxo, suas mansões e coberturas… Da nossa parte, quem não conhece um ex-funcionário da Matrick, da Lumiere (agora da Busscar) e de tantas fábricas que fecharam e os trabalhadores ficaram sem receber seus direitos?

Na Cipla – e depois na Interfibra – em Joinville, os trabalhadores não aceitaram pacificamente a quebradeira planejada pelo patrão. Os operários se organizaram, iniciaram a greve e, não vislumbrando resultado, tomaram o controle da fábrica. Sem precisar pagar mais o gordo lucro do patrão parasita, foi possível manter mais de mil empregos, retomar a produção e aos poucos pagar em pequenas parcelas as dívidas dos impostos deixados pelo patrão.

Depois da Cipla, várias empresas Brasil afora foram ocupadas pelos trabalhadores. No auge do movimento, dezenas de fábricas quebradas estavam sob controle operário. Nos países vizinhos, o exemplo joinvillense encoraja trabalhadores a seguir o mesmo caminho. Tivemos ocupações de fábricas no Paraguai, na Argentina e no Uruguai. Depois de 10 anos, em Sumaré, SP, a fábrica Flaskô é a única que resiste sob controle operário.

A reação dos patrões foi dura e rápida. O governo, pressionado pela FIESP e pela ABIPLAST, ao invés de ouvir as reivindicações dos trabalhadores, utiliza o pretexto dos impostos não pagos pelos antigos patrões para ocupar militarmente as fábricas e destituir os Conselhos eleitos democraticamente pelos operários. Na Cipla, mais de 150 policiais federais fortemente armados invadem a fábrica na manhã do dia 31 de maio de 2007, pondo fim a essa magnífica experiência, a mais longa ocupação de fábrica por trabalhadores no sistema capitalista em todo o mundo. De lá para cá, centenas de trabalhadores foram demitidos e um novo patrão foi imposto, com salário exorbitante.

Todos os que viveram esta experiência com certeza a levarão para a vida toda. Em fábricas consideradas falidas, homens e mulheres conseguiram retomar a produção, pagar fornecedores, manter os salários em dia, pouco a pouco retomar o pagamento dos impostos atrasados… Mas, o mais importante: nas fábricas ocupadas foi possível reduzir a jornada de trabalho para 30 horas semanais, sem redução de salários e sem diminuição da produção. Esse foi o mais duro golpe dado nos patrões: a prova definitiva de que os trabalhadores não precisam do patrão para tocar a economia. E, nesse momento histórico, em que a crise ameaça mais uma vez várias empresas, com certeza muitos trabalhadores sabem que a saída é romper com as classes proprietárias e tomar o destino em suas mãos.

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