O culto ao trabalho e o feriado de Carnaval
Por Ulrich Beathalter
O sistema capitalista nos impõe o culto ao trabalho. Desde pequenos somos educados para acreditar que “o trabalho dignifica o homem”. No senso comum, a posição social, o status, a propriedade e até o caráter de uma pessoa está ligado ao trabalho. Quanto mais alguém trabalha, mais rico, mais importante – e até mais honesto – a pessoa se torna.
Será que isso é verdade? Será que realmente aqueles que mais trabalham se tornam os mais ricos, mais invejados e mais bem relacionados na sociedade?
Não é preciso grande esforço pra perceber que isso tudo é uma grande ilusão. Regra geral, quanto mais um indivíduo trabalha, menos tempo tem para estudar, para se divertir, para conviver com os amigos e com a família – menos tempo tem para ser feliz.
A maioria dos trabalhadores vive uma existência curta e miserável nesse planeta. Cedo começamos a trabalhar. E trabalhamos tanto ao longo da vida, nos esquivando dos inúmeros problemas materiais que se apresentam, que nem vemos a vida passar.
Por isso é tão importante que os trabalhadores lutem por jornadas menores de trabalho, sem redução de salário. Ao longo dos anos, foi a luta incessante de milhões de pais e mães de família que permitiu que a jornada – que já foi de 15 ou 16 horas – aos poucos fosse diminuindo para dez, oito ou menos horas de trabalho por dia. É fácil de entender: quanto menos tempo de trabalho, mais tempo para viver, estudar, namorar, passear, dormir, brincar…
Jornadas longas e acentuadas interessam a quem, afinal? Somente aos patrões, que somam a produção realizada pelos trabalhadores a cada minuto e o quanto essa produção implica no aumento de seus lucros. Se os donos das empresas pudessem, acabavam com férias, repousos e qualquer descanso de seus trabalhadores. Se pudessem, retomavam jornadas maiores aos longo do dia. Porque isso aumenta diretamente a conta bancária de cada acionista do negócio.
Depois de duzentos anos de capitalismo, chegamos a um nível de desenvolvimento tecnológico e de acumulação de riquezas que não deveria mais ser preciso trabalhar tanto. Poderíamos todos trabalhar jornadas muito mais reduzidas, garantindo emprego e sustento pra todo mundo. Não precisa aumentar os lucros dos grandes capitalistas. Não precisa aumentar a produção. Já criamos lixo demais.
Quem é trabalhador devia compreender e se unir aos seus pares para impedir jornadas extenuantes. Devíamos todos exigir diminuição da jornada de trabalho. Ao invés de apontar uns aos outros, comparando quem trabalha mais ou menos, deveríamos nos apoiar nas categorias que já reduziram as horas de trabalho para que todos pudessem ter o mesmo. Não podemos cair no jogo dos patrões e achar que trabalhar menos é coisa de vagabundo.
O ser humano é mais importante que o trabalho. E o serviço público deveria ser o primeiro a dar o exemplo disso. Por isso nos assusta quando o poder executivo usa a indústria e o comércio como parâmetro para os servidores. Obrigar os servidores a trabalhar no Carnaval porque indústrias e comércios também vão funcionar é o extremo da falta de bom senso. Que lucro aos cofres públicos produzirão os servidores com um dia a mais de trabalho? Os problemas da comunidade serão resolvidos porque a Prefeitura vai abrir um dia a mais neste ano?
Os trabalhadores não podem se nivelar por baixo. É muito perversa a lógica do “vamos tirar o direito de um indivíduo para ficar igual a outro que não tem”. Nossa luta deveria ser para que todos os trabalhadores, públicos ou privados, tivessem mais folgas, mais feriados, mais descansos, jornadas menores de trabalho.
Contamos ainda com o bom senso da Prefeitura em reverter o decreto sobre o feriado do Carnaval. É uma péssima iniciativa, que em nada acrescenta na sua relação com a categoria. Não passa de uma medida populista e midiática, pois cria a ilusão na população de que se está pondo ordem na casa ou que se vai com isso moralizar a administração e resolver os problemas da sociedade. Nada mais falso. Enquanto isso, se empurra para debaixo do tapete a responsabilidade em aumentar o quadro de trabalhadores e investir nas condições de trabalho. Isso sim poderia melhorar a qualidade e a agilidade do atendimento à população nos mais diversos serviços prestados pelo poder público.
Pensemos no assunto.
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