Carta de um servidor aos servidores

Por Tiago Santos*

Servidores,

Não nos enganemos. Diante de nós se prostra a mais sólida das inverdades que querem que engulamos. Que somos nós os culpados por esta crise, que somos nós os culpados por termos que nos humilhar perante uma sociedade inteira por um mísero reajuste salarial entre outros benefícios. Querem que acreditemos que nós os ameaçados, os transferidos, os avaliados, os em estágio probatório, os sobre-atarefados, os que sofrem com a malícia mais vil estampada em capas de revistas que repetem aos bordões: “Funcionários públicos são a escória de nossa sociedade”, as mais cretinas falácias para nos fazer acreditar que somos nós os culpados por tudo que nos acomete e mais ninguém. Diante de nós se prostram esta e tantas outras inverdades que inundam as mentes de nossa sociedade como veneno, e se reproduzem violentamente alimentando a ignorância, o ódio de classe, as distinções raciais, enfim, os piores defeitos do ser humano.

Não nos enganemos, servidores. Todas as inverdades que contam a nosso respeito tem objetivos certos: fazer-nos desacreditar em nós mesmos, manter adormecida nossa capacidade de luta e organização para que, desta forma, a ordem preserve as injustiças e imperfeições de um sistema podre. Todas as inverdades que contam a nosso respeito buscam destruir, depreciar nosso trabalho porque alguns poucos têm consciência que nosso trabalho implica em dar educação e saúde de graça para a população, e isto pra eles é inadmissível. Todas as inverdades, todos os discursos nocivos a nós, a nossa dignidade enquanto trabalhadores servem para somente isto: por a prova nossa função na sociedade. Que estas falácias e mentiras, então, sejam o combustível para a emancipação cada vez mais sólida da nossa consciência política, nossa consciência de classe, nossa autoestima enquanto sujeitos conscientes da importância que temos para o funcionamento do Município.

Não nos enganemos, servidores. Esta crise, quem a produziu está sentado neste exato momento em confortáveis cadeiras e possivelmente dá ordens a subordinados seus para que se multiplique esta mesma cadeia de inverdades. Esta crise, quem a criou está nos observando de camarote, muito bem instalado em seus escritórios com suas planilhas de custos, ações, movimentações bancárias, lucros e expediente de todo tipo para justificar seus acúmulos da forma mais inescrupulosamente discreta possível. E sejamos francos: esta crise, quem a criou não cogita a possibilidade de reparti-la conosco, nem nossas dores, nem nossas dívidas ou qualquer outro de nossos infortúnios. Não nos enganemos, servidores. Os verdadeiros culpados por esta crise estão camuflados e protegidos por uma densa neblina e são a eles que nosso prefeito Sr. Udo Doehler se refere quando fala em “outras responsabilidades” na tentativa de justificar a política de desvalorização do serviço público que se desenvolve a ritmo acelerado.

Não nos enganemos, servidores. A política real, o que verdadeiramente nossos gestores públicos têm a oferecer politicamente, são negócios. Business. A lei da oferta e demanda. O livre Mercado. Tenebrosas transações negociadas entre as quatros paredes dos altos gabinetes, longe dos problemas concretos por que passa a população, e que eventualmente pode interferir na qualidade de vida de qualquer um. “Pra bem ou pra mau?”, perguntam. “Não sei, depende do preço”, respondem. A antiga ágora, a praça pública onde a elite grega fazia política no séc. IV a.C., é hoje substituída por gabinetes aquartelados no segundo ou terceiro andar dos prédios. Mas a única coisa que permanece inalterada ao longo da história é a peculiar definição de Democracia: limitada a alguns poucos, usufruída por alguns poucos, os detentores de posse ou com algum prestígio social. Não nos enganemos, servidores. O que sobra para nós nessa farta mesa onde o Poder Público se enfastia junto com seus credores, financistas, licitistas e especuladores, são apenas migalhas, ou, melhor dizendo, alguns poucos 4 ou 5 por cento.

Não nos enganemos, servidores. Quando um gestor público se recusa a reconhecer o valor que os servidores têm dizendo algo sobre “outras responsabilidades” ele desdenha não somente um corpo de funcionários, mas sim a população inteira porque nós provemos esta população com nossos serviços. Nós somos esta cidade. Portanto, se não há valorização do servidor público, não há valorização em parte alguma desta cidade.

Não nos enganemos, servidores. Querem que acreditemos que não há o que fazer diante de uma prefeitura falida e sem recursos. ORA! De que nos serve um Município falido? De que serve um Município que não quer gastar dinheiro para investir no bem da cidade? De que serve um Município que não é capaz de remunerar justamente seu recurso humano, as pessoas que vendem sua força de trabalho para o bom funcionamento dos serviços públicos? De que serve um Município, enquanto ente federativo do Estado Nacional, que não é capaz de prover aos seus cidadãos as necessidades mais básicas? De que serve um Estado Nacional que não faz seu papel na sociedade por conta de um intrincado e complexo rabo preso com credores? Pra que serve um Estado que põe como prioridade saldar dívidas irresponsáveis com estes credores, com especuladores, licitistas, acionistas e financistas de campanhas políticas em detrimento de todas as necessidades de toda a sociedade? A quantos interesses exatamente este Estado atende mantendo estas prioridades?

Não nos enganemos, servidores, porque já nos enganaram o suficiente. Não somos mais um rebanho de ovelhas. Nossa categoria cresceu em consciência e maturidade. Acabou essa história de ficar à margem das grandes discussões políticas. Nós somos seres políticos, sim, e fazemos política nos posicionando aqui sobre nossos interesses, sobre o que queremos e ansiamos para nossas vidas. Criando marcas na história.

*Tiago é trabalhador da Secretaria da Fazenda de Joinville e diretor do Sinsej

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