Museus, ciência, cultura e a ameaça das Organizações Sociais
Repassar os serviços do Estado à iniciativa privada não é a solução
A trágica maneira como o Museu Nacional do Rio de Janeiro foi “incinerado”, no último 2 de setembro, escancara aos olhos do mundo o descaso com a cultura e a ciência por parte da burguesia e de seu Estado. Cada vez se tornam mais escassos para os jovens filhos da classe trabalhadora a possibilidade de acesso à ciência e aos espaços de memória.
Por muito tempo, os museus foram lugares destinados ao deleite das elites e constituíam-se nos chamados gabinetes de curiosidades recheados de toda sorte de artefatos, animais empalhados e obras de arte, advindos de saques, espólios de guerra, presentes e doações.
Após a segunda guerra mundial e, mais tarde, durante a abertura política na década de 1970, os museus enquanto lugares de memória passaram a ser reivindicados, disputados e ocupados por outros grupos, que queriam ver-se inseridos na história. Judeus, negros, indígenas, migrantes, imigrantes e perseguidos políticos tiveram suas memórias pela primeira vez expostas aos olhos do mundo.
As gerações que se seguiram estabeleceram outro tipo de relação com esses lugares e o contato com áreas da ciência muito distantes do cotidiano, até então, passaram a se tornar parte do repertório de muitas crianças e jovens. Daí o papel fundamental do Museu Nacional do Rio de Janeiro. Junto a algumas dezenas de museus no Brasil – entre eles o Museu Arqueológico de Sambaqui de Joinville – ele popularizou a arqueologia, a paleontologia, a antropologia física, a etnologia e a museologia, oferecendo ao público por meio da educação patrimonial, as lentes de uma infinidade de disciplinas, que ajudam a perceber a sutileza dos sentidos das coisas no mundo.
O que queimou na noite de 2 de setembro foi parte dessa luta dos trabalhadores dessas instituições, em tornar esses espaços acessíveis e atraentes a ponto de influenciar milhares de jovens a seguirem carreiras voltadas às ciências e às artes.
Junto com o desaparecimento de Luzia, a ancestral mais antiga das Américas, perde-se todo o trabalho de pesquisa organizado e financiado pelo Estado e realizado por servidores de carreira em sua maioria. As cinzas nem tinham esfriado ainda e o ministro da Educação declarou que “tão estratégico como a recuperação do museu, é a mudança do modelo de gestão”. Ao criticar o atual modelo de gestão dos museus públicos, o ministro explicita a lógica da descentralização da ação estatal, abrindo espaço para o engodo das Organizações Sociais.
Esse modelo é uma iniciativa copiada pelo governo neoliberal de FHC de um programa britânico de Margaret Thatcher da década de 1970, que trata da gestão de um bem a serviço público pela iniciativa privada e é uma das facetas da lógica do Estado mínimo. Com a dispensa de processo licitatório, a organização social é um buraco negro para o dinheiro público. Além disso, precariza as relações de trabalho, na medida em que deixa de realizar concursos e paga salários mais baixos, terceirizando serviços irrestritamente e desrespeitando os princípios básicos que regem a administração pública.
Nesse cenário de desmonte, não só o futuro do Museu Nacional do Rio é extremamente incerto, mas o de todos os museus públicos do Brasil. E isso inclui os de Joinville. Com quatro museus e um arquivo histórico, entre outras instituições de memória, Joinville é uma das cidades brasileiras que assiste o desmantelamento de seus patrimônios. As unidades que guardam e cuidam do patrimônio cultural estão sucateadas com acervos mal acondicionados, reservas técnicas inadequadas, falta de acessibilidade, edificações mal conservadas e insalubres (infiltrações, enchentes, rachaduras, mofo, instalações elétricas e hidráulicas precárias etc.), quadro técnico de servidores insuficiente e falta de planejamento.
É preciso que os trabalhadores e os jovens tomem para si a defesa do nosso riquíssimo patrimônio, reivindiquem a qualidade e gratuidade do acesso a ele. Pois, em última instância, qualquer modelo que transfira para a iniciativa privada a responsabilidade do Estado pelo oferecimento e manutenção dos serviços públicos é um modelo que propõe a manutenção do enriquecimento dos grandes empresários e banqueiros, condenando a classe trabalhadora e seus filhos à ignorância.