Avanço da privatização faz política de atenção à saúde mental retroceder
Em 14 dezembro de 2017, no apagar das luzes do ano e a portas fechadas, sem o debate e a participação da sociedade civil, a Comissão Intergestora Tripartite (CIT), instância composta pelas três esferas de gestão da saúde no país – União, estados e municípios – aprovou alterações na política de saúde mental que constituíram um retrocesso de décadas e abriram precedentes ao retorno de uma política de atenção marcada pela lógica de mercado e alicerçada no modelo asilar e manicomial.
A Portaria Interministerial 3.588, documento que integra tais diretrizes, recolocou no centro da rede de cuidados hospitais psiquiátricos e comunidades terapêuticas. Isso implica na desconstrução do atual modelo de atenção preconizado pelo respeito ao direito de tratamento humanizado e em liberdade, cuja construção, iniciada há três décadas, foi fruto de intensa mobilização dos trabalhadores em saúde mental ao lado da sociedade civil.
Com a publicação da Portaria, o governo federal passou a financiar as Comunidades Terapêuticas, destinando no mês de abril deste ano R$ 87 milhões, por meio de um edital, para contratar 7 mil vagas para acolhimento nestes estabelecimentos.
Destaca-se, ainda, o aumento do valor da diária de internação paga aos hospitais psiquiátricos, com a ampliação de 15% para 20% no número de leitos psiquiátricos nessas unidades. Assim, pautando a saúde como mercadoria e reconduzindo a atenção à população, principalmente as parcelas mais vulneráveis, à segregação e exclusão social, imprimindo a retomada do modelo manicomial, que foi profundamente questionado e combatido pelos movimentos da reforma sanitária e da luta antimanicomial.
Em março deste ano, o Conselho Nacional Antidrogas (Conad), aprovou uma resolução em que altera de forma significativa a política de drogas no país, alinhada à mesma lógica estabelecida na Portaria 3.588. Considerando o modelo de atenção psicossocial norteado pela estratégia de redução de danos como ineficaz e ineficiente, a resolução direciona a atenção a usuários de drogas com ênfase única e exclusiva na abstinência, cuja principal estratégia é a internação.
Tais medidas, impostas de forma arbitrária e autoritária, sem a realização de nenhuma audiência pública e sem passar pelos Conselhos de Saúde e Direitos Humanos, têm o objetivo de ampliar o financiamento das comunidades terapêuticas, fortalecendo a internação e isolamento social como centralidade do cuidado a pessoas com sofrimento decorrentes do uso prejudicial de álcool e outras drogas. Estabelecendo-se, ainda, na contramão das diretrizes de atenção preconizadas pela Organização Mundial de Saúde e pelos avanços históricos da luta que primou por uma sociedade sem manicômios.
Cabe aos trabalhadores do setor de saúde mental voltarem a se mobilizar, desta vez contra a privatização. Os ataques neste sentido estão sendo implementados aos poucos, mas fazem parte de uma política nacional de destruição do serviço público.
Texto originalmente publicado no Jornal do Sinsej de outubro de 2018.