Temer, Bolsonaro e as terceirizações
Um dos últimos ataques do governo Temer às universidades públicas foi a Portaria Nº 443/2018, que estabelece os serviços que poderão ser objeto de “execução indireta”, ou seja, terceirizados. Essa portaria, que adapta para a educação federal a terceirização ilimitada definida pelo Decreto Nº 9507/2018, é um duro ataque a universidades e institutos federais, pois abre caminho para a entrada de todo o tipo de empresas privadas nessas instituições e, no médio prazo, coloca em risco até mesmo a realização de concursos públicos.
Na Portaria Nº 443 é listada grande parte dos serviços hoje realizados pelos servidores técnico-administrados, com exceção daqueles que atuam de forma direta no apoio ao ensino (pedagogos, assistentes sociais, outros profissionais licenciados), que respondem a normas de órgãos externos como a AGU e CGU (procuradoria, corregedoria, auditoria), bem como que atuam na gestão de pessoas e em compras e licitações. Os demais serviços poderão vir a ser terceirizados, inclusive projetos de arquitetura e engenharia, atividades de laboratórios, comunicação, gestão de documentos e apoio de tecnologia da informação. Mesmo que de imediato os reitores se neguem a substituir os servidores concursados por empresas privadas prestadoras de serviços, no médio prazo a ausência de concursos públicos e os limites orçamentários impostos pela emenda constitucional do teto de gastos podem inviabilizar a realização de serviços fundamentais ao funcionamento das instituições.
Nas universidades e nos institutos federais, a terceirização já é uma realidade, em especial nos serviços de limpeza, recepção e segurança. Em algumas instituições, espaços como os restaurantes universitários e até mesmo as bibliotecas possuem um número reduzido de servidores efetivos, tendo a maior parte de seus serviços realizados por trabalhadores contratados pelas empresas terceirizadas. A consolidação dessa terceirização se deu em paralelo à extinção de cargos do Plano de Carreira dos Cargos Técnico-Administrativos em Educação (PCCTAE), ou seja, não foi mais possível realizar novos concursos diante das aposentadorias ou exonerações de servidores efetivos nas instituições de ensino. Para realizar essas funções são contratados profissionais que recebem baixos salários e possuem contratos precários, chegando a haver casos ainda mais absurdos, nos quais alguns desses serviços são deixados a cargo de estagiários. O custo para as instituições muitas vezes é três ou quatro vezes maior do que o salário pago aos profissionais terceirizados. Por outro lado, o custo por trabalhador repassado pelas instituições às empresas é maior do que o salário que seria pago a profissionais concursados para realizar esses serviços.
A publicação da Portaria Nº 443, no final do governo Temer, está alinhada com a reestruturação das carreiras aventada pelo atual ministro Paulo Guedes. Embora a necessidade de reestruturar as carreiras seja uma reivindicação antiga dos sindicatos dos trabalhadores, essa luta passa pela correção de distorções, pelo fim das gratificações produtivistas e pela isonomia salarial. O projeto de Guedes, embora ainda não apresentado formalmente, passa pela criação de cargos genéricos com salários nivelados por baixo, pela extinção de cargos que poderão ser assumidos por empresas privadas e pela extensão das gratificações produtivistas a todos os servidores públicos. Essa questão das gratificações produtivistas atinge diretamente os servidores docentes e técnicos das universidades e dos institutos federais, cuja progressão salarial mais significativa está associada à titulação, como mestres e doutores.
O centro dos ataques do governo Bolsonaro passa pela desestruturação do Estado, aprofundando as ações iniciadas por Temer. Grandes empresas e bancos estatais poderão passar para o controle, ainda que parcial, de setores privados. O mesmo poderá acontecer com a Educação, onde setores empresariais se beneficiam há bastante tempo dos recursos de programas como FIES, PROUNI e Pronatec. Essas políticas poderão ser aprofundadas por Bolsonaro, com a ampliação do repasse de verbas públicas a empresas privadas e organizações filantrópicas, inclusive religiosas, ainda que a gestão de algumas das instituições públicas permaneça a cargo do governo.
O terreno para a privatização da educação federal vem sendo preparado desde pelo menos a década de 1990. Esses ataques ganharam força nos anos recentes, em especial devido a ações que enfraqueceram o caráter público de universidades e institutos federais. São exemplos disso os ataques à autonomia das instituições públicas, sendo o caso mais emblemático a intervenção da Polícia Federal que levou ao suicídio do reitor da UFSC, em 2017. Essas ações visam desqualificar os gestores e servidores dessas instituições, criando supostas provas que levam a sociedade a acreditar que se tratam de órgãos caros, ineficientes e controlados por corruptos. Paralelo a isso, as fundações privadas de apoio crescem como um câncer nessas instituições, apresentando-se como um modelo alternativo e eficiente de gestão, ainda que estejam até o pescoço envolvidas em casos de corrupção e desvio de verbas públicas.
Texto originalmente publicado aqui.