Vagas para o concurso público em Joinville são insuficientes e ignoram grave déficit na saúde
A prefeitura de Joinville abriu, em outubro, um concurso público para diversas áreas. No total são 155 vagas, com um número ainda menor para profissionais da saúde, área em que existe um enorme déficit de servidores, fazendo com que a população sofra com listas de espera intermináveis e uma precarização constante dos serviços.
Em 2023, a Comissão Especial de Saúde da Câmara de Vereadores, durante o governo Adriano Silva (Novo), divulgou um extenso relatório que expôs um cenário de superlotação, falta de servidores e medicamentos, e desassistência generalizada à população. De lá pra cá, a situação não melhorou. O documento elaborado pela CVJ confirma o que sindicato, servidores e usuários do serviço público denunciam há anos: a rede municipal de saúde opera no limite, com déficit crítico que coloca vidas em risco e sobrecarregam diariamente os profissionais. O concurso aberto pelo prefeito tem vagas simbólicas que não conseguirão amenizar os problemas da saúde em Joinville.
Caos generalizado
Segundo o relatório, a superlotação virou regra nas Unidades de Pronto Atendimento (UPAs). A UPA Sul, projetada para 500 atendimentos, chega a receber 1.200 pessoas em um único dia. Os tempos de espera são desumanos: o cidadão espera em média 2 horas e 36 minutos para ser atendido por um médico. O Protocolo de Manchester, que preconiza 10 minutos para a triagem, é sistematicamente ignorado, com tempos que chegam a 1h20.
O relatório aponta, ainda, um dado estarrecedor: entre 2021 e 2022, houve uma redução de 288 profissionais nas Equipes de Saúde da Família. A rotatividade é altíssima, com a gestão municipal priorizando contratações temporárias, que respondem por 93,47% das admissões. Essa falta de vínculo estável desestrutura os serviços, impede o vínculo com a comunidade e joga sobre os servidores remanescentes uma carga de trabalho insustentável.
Outro documento da própria prefeitura também demonstra o quadro deficitário de profissionais de saúde nas unidades de atendimento e no Hospital Municipal São José. De acordo com o Quadro de Lotação da Administração Direta e Indireta, publicado junto à Lei de Diretrizes Orçamentárias deste ano, a lotação adequada para o funcionamento dos serviços de saúde seria de 5308 profissionais, mas atualmente estão lotados na secretaria 3202 profissionais. No Hospital Municipal São José a situação se repete: onde deveriam trabalhar 2014 profissionais de saúde, estão lotados apenas 1512 profissionais. Ou seja, a Prefeitura de Joinville carece de cerca de 2600 profissionais para completar seu quadro de funcionários na saúde e no Hospital Municipal São José, e isso se reflete diretamente no atendimento à população e nas condições de trabalho dos servidores.
Há falta de pediatras, cirurgiões, enfermeiros, técnicos, psiquiatras e de dentistas – para este último, a rede conta com apenas 26 cirurgiões-dentistas para atender toda a população. Um número insuficiente que força esses profissionais a realizarem tarefas de esterilização de materiais, um desvio de função que prejudica o atendimento.
Enfermeiros e técnicos de enfermagem
Foram abertas apenas 20 vagas para Técnico em Enfermagem e 10 para enfermeiros. O relatório aponta, no entanto, que houve uma redução de 288 profissionais em um ano (2021 e 2022) nas Equipes da Saúde, categoria que inclui os técnicos de enfermagem. Apesar de o concurso oferecer 30 vagas no total, faltam centenas de profissionais para atender a população de Joinville.
Psiquiatra
O concurso oferece apenas uma vaga para Psiquiatra, em um município com mais de 600 mil habitantes e com uma fila de espera, que pode chegar a 2 anos para o atendimento nesta especialidade, segundo o portal da prefeitura. Com isso, o prefeito simplesmente ignora a gravidade da situação em uma área onde a demanda cresce, inclusive motivada por assédio e perseguições das chefias aos servidores.
Pediatria
O relatório de 2023 apontou um dado emblemático em relação à pediatria. Segundo o documento, o Hospital Infantil, administrado por uma Organização Social (OS), chegou a registrar fila de espera de 12 horas em seu pronto-socorro. Os dados do hospital apontam que o repasse às OSs é uma política fracassada e que é necessário concurso que cubra as demandas, e não apenas vagas de fachada. Quem paga o preço é a população e os servidores, que redobram seu trabalho por falta de pessoal.
Além disso, a própria prefeitura falha em oferecer atendimento digno às crianças e adolescentes ao restringir os atendimentos pediátricos de urgência em uma única unidade de pronto atendimento (UPA Leste). Para as outras unidades de pronto atendimento oferece apenas um “atendimento infantil”, realizado por profissionais terceirizados com formação clínica e experiência comprovada, mas que não são especialistas em pediatria. O SINSEJ, junto aos profissionais das unidades, já denunciou tal prática e cobrou da prefeitura um atendimento digno e realizado por especialistas da área. Mas a prefeitura tem buscado substituir esses profissionais por contratados e não prevê a contratação de novos pediatras.
Número de vagas em concurso não cobre demanda
Enquanto o relatório da Comissão Especial de Saúde da Câmara de Vereadores apresentou um sistema de saúde em colapso que continua até hoje, com déficits massivos de profissionais e superlotação, o concurso público oferece um número de vagas que não cobre nem a demanda reprimida atual.
Em fevereiro deste ano, o Ministério Público apontou que, para a especialidade de otorrinolaringologista, por exemplo, a espera era de 5 anos. Em reportagem da NDTV de setembro, a emissora revelou que consultas de retorno com especialistas chegam a ter espera de 1 ano. Em março do ano passado, exames de endoscopia e colonoscopia, essenciais para diagnóstico, estavam com uma fila de mais de 11 mil usuários.
A própria lista de espera disponibilizada pelo portal da prefeitura dá conta desses números. Consultas em cardiologia e ortopedia chegam a ter espera de 2 e 6 anos respectivamente. Apenas uma vaga foi aberta para cardiologista no edital do concurso publicado pela prefeitura em outubro.
Todo dinheiro para a saúde!
O número de vagas aberto no concurso público de outubro está longe de ser a solução para a crise da saúde em Joinville. As vagas ofertadas estão pulverizadas e não refletem um plano estratégico para recuperar a saúde municipal. Pelo contrário: é um projeto de constante desmonte para justificar terceirizações.
O relatório de 2023 sobre a saúde em Joinville e a própria lista de espera divulgada pela prefeitura mostram um cenário péssimo para a população e para os servidores:
- Entre 2021 e 2022, houve redução de 288 profissionais nas Equipes de Saúde da Família;
- As UPAs operam com capacidade até 140% acima do limite.
Diante deste cenário crítico, o concurso oferece:
- Apenas 20 vagas para Técnico em Enfermagem (para cobrir déficit de centenas);
- Apenas 10 vagas para Enfermeiro (enquanto UPAs têm escalas incompletas);
- Apenas 1 vaga para Psiquiatra (em meio a crise na saúde mental);
- Apenas 1 vaga para Pediatra (enquanto o Hospital Infantil tem filas de 12h).
O Sinsej defende que seja realizado um concurso amplo para cobrir toda a demanda da população e zerar as filas de espera. Com a Reforma Administrativa em Joinville, Adriano Silva comprometeu o orçamento da cidade em R$ 100 milhões anuais para cargos comissionados, enquanto vai à imprensa lamentar falta de verba para a saúde.
Todo o dinheiro deve ir para a saúde e para a valorização dos servidores, que estão na linha de frente no atendimento ao público.
