Novos modelos de gestão da saúde disfarçam privatização dos serviços públicos

Foi noticiado esta semana que 255 operadoras estarão proibidas de vender novos planos de saúde a partir desta segunda-feira (14/1). A ordem foi da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Segundo ela, essas empresas não cumpriram as regras fixadas pelo governo sobre os prazos máximos de marcação de consulta, exames e cirurgias. As mudanças exigidas são adequação da rede de operadoras, melhoria dos serviços de relacionamento e atendimento ao cliente. A proibição durará até março, quando então será avaliado se os problemas foram resolvidos.

O Sinsej acredita que isso reforça como funcionam os serviços sociais quando estão nas mãos dos ricos em seu próprio benefício – o que se chama de privatização. O sindicato defende serviços públicos diretamente controlados pelo Estado e executados por meio do Sistema Único de Saúde (SUS). Os problemas da privatização na saúde pública e os disfarces que usa foram debatidos na reportagem “Novos modelos de gestão disfarçam privatização” na edição de dezembro do Informativo do Sinsej.  Reproduzimos abaixo a reportagem:

A saúde pública do Brasil enfrenta um conflito com os novos modelos entrega dos serviços públicos para os ricos usarem eu seu próprio benefício – situação conhecida como privatização. Por meio de formas camufladas, diferentes governos permitem que serviços sociais feitos diretamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS) passem para as mãos de empresas privadas. Movimentos sociais denunciam que esse movimento iniciado com Fernando Collor ganhou força nos governos de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff. Mas essa prática já se espalhou por governos estaduais e municipais.

A privatização se apresenta de diversas maneiras na rede pública de saúde segundo a Frente Nacional Contra a Privatização da Saúde. A organização alega que os novos modelos de gestão da saúde têm nomes que fantasiam seus verdadeiros fins. As principais são: organizações sociais (OS); organizações sociais de interesse público (OSCIP); fundações estatais de direito privado; e a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh). Apesar dos nomes diferentes, a Frente argumenta que todas objetivam a prestação de serviços sociais com execução da iniciativa privada.

Para a doutora em serviço social Sara Granemann, que também é professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), esses mecanismos são usados porque as formas clássicas de privatização não estão na moda. “Há algumas diferenças marginais entre os modelos de privatização. Mas o fundamental é que todos eles aparecem como ‘parceiros’ do Estado”, afirma. Sara diz que atualmente não são populares as vendas escandalosas do patrimônio do Estado para as bolsas de valores como aconteceu com a Vale do Rio Doce em 1997 e as telecomunicações em 1998.

A professora explica que existem características comuns a toda as novas formas de gestão. Em cada uma das formas, são as entidades que escolhem quantos usuários atenderão e não precisam dar resposta à demanda da população. Os trabalhadores são transformados em celetistas e não mais estatutários, significando um ataque direto às greves e lutas por melhorias trabalhistas. Um contrato define quanto dinheiro o Estado dará para a empresa fazer um número determinado de consultas. Além disso, o contrato de serviços muda para uma modelo que negligencia dos métodos de licitação, o que resulta na dispensa de controle ou concorrência.

Direito de todos e dever do Estado

Essa forma de prestação de serviço conflita com o projeto do SUS de 1988, definido no artigo 196 da Constituição Federal. O documento define a saúde como direito de todos e dever do Estado. O texto descreve que os objetivos principais desse sistema visam à “redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para a sua promoção, proteção e recuperação”. Esse artigo tem sustentado o argumento daqueles que discordam da privatização de serviços sociais prestados pelo Estado.

Apesar disso, Clair Coelho, mestre em saúde pública pela Universidade de São Paulo (USP) e professora aposentada do departamento de saúde pública da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), relata que a mudança de um termo no capítulo II da Constituição colocou uma pegadinha no projeto. “As instituições privadas poderão participar de forma ‘complementar’ ao SUS diz a Constituição aprovada. Porém, o texto original falava de participação ‘suplementar’. Ora, existe uma diferença importante nisso”, destaca Clair. Ela explica que “participação suplementar” significa o SUS usar o recurso onde quiser para atender áreas não atingidas. Já “participação complementar” coloca as empresas privadas em pé de igualdade para competir com o SUS no atendimento da demanda da sociedade. Ela alega que esse detalhe de interpretação possibilitou todo o quadro de competição entre SUS e planos de saúde e novos modelos de privatização existentes.

Serviços públicos para exploração de lucro

Segundo a professora Sara Granemann, esse fenômeno é motivado pelo momento histórico do regime capitalista. A crise econômica agravou a situação financeira da classe capitalista. Sara observa que isso levou setores do mercado a desejar explorar áreas atendidas pelo Estado atende sem objetivar lucro. “No mundo todo, a receita tem sido fundo público e redução de direitos dos trabalhadores”, relata. O fundo corresponde ao orçamento da União – R$ 2.150.860.507 em 2012. A professora diz que a cartilha da privatização é usar esse dinheiro para salvar os capitalistas e impedir que tenham uma queda nas suas taxas de lucro.

Em Santa Catarina o governo estadual começou a entregar unidades de saúde a partir de 2007. “A prática começou tardiamente por aqui, pois no Brasil as primeiras organizações sociais começaram a funcionar em 1998”, contextualiza Simone Hagemann, que é diretora do Sindicato dos Estabelecimentos de Saúde (Sindsaúde/SC). Simone relata o quadro das entregas de unidades de saúde, o qual soma Hemocentro de Santa Catarina (Hemosc), Centro de Pesquisas Oncológicas (Cepom), Hospital Infantil de Joinville, Hospital Regional de São Miguel do Oeste, Hospital Regional de Araranguá, Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) e o serviço de humanização do Hospital Regional Hans Dieter Schmidt.

Terceirização como primeiro passo

O fantasma das privatizações também ronda a Prefeitura de Joinville segundo o professor Josiano Godoi, diretor do Sindicato dos Servidores Públicos dos Municípios de Joinville, Garuva e Itapoá (Sinsej). “A terceirização de pedaços de setores da prefeitura é uma medida que serve como primeiro passo para uma futura privatização”, alerta. Ele adverte que esse movimento acontece em setores do Hospital Municipal São José, em setores de obras e serviços de limpeza. Como exemplo do resultado da terceirização, Godoi destaca a Companhia Águas de Joinville que tem a maioria do seu quadro celetista, trabalha com diversas equipes terceirizadas e não responde unicamente à prefeitura.

Infográfico desenvolvido pelo Sinsej

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