Regimes Próprios de Previdência não são a solução

 Por Ulrich Beathalter


Ipreville

 

Quando surgiram, os Regimes Próprios de Previdência dos Servidores Públicos no Brasil prometiam segurança, conforto e rentabilidade necessários para assegurar o futuro previdenciário para milhões de trabalhadores. Em poucos anos, espalharam-se pelos municípios, retirando os servidores públicos do Regime Geral de Previdência. Era o início do desmonte do Sistema de Previdência Público Estatal, Universal e Solidário. Ao invés de todos os trabalhadores do país juntos, num mesmo sistema previdenciário, em que todos contribuem para o bem comum, de repente surgem vários pequenos sistemas, dividindo os trabalhadores e espalhando dúvidas e temor quanto à capacidade destes Institutos em garantir uma aposentadoria digna para todos.

Já na sua concepção, a ideia dos Regimes Próprios retira do governo federal a responsabilidade pela Previdência de milhões de trabalhadores. Pior: joga nas costas dos próprios servidores a responsabilidade pelo sucesso dos seus Institutos. Claro que, na esmagadora maioria dos municípios, o controle dos Institutos está nas mãos dos Prefeitos de plantão, que indicam os diretores de cada sistema. Aos servidores resta acompanhar e “fiscalizar”, por meio de Conselhos Administrativos e/ou Fiscais. Então, além de não existir a garantia do governo federal, o dinheiro da aposentadoria dos servidores fica à mercê dos interesses de políticos e partidos que controlam os municípios brasileiros.

A primeira providência dos Prefeitos, além de nomear os presidentes e diretores do Instituto de Previdência, é cooptar os membros do Conselho Administrativo. Logo, os representantes eleitos pelos servidores são gentilmente convidados para assumirem cargos comissionados ou funções gratificadas na Administração Pública. A independência e autonomia dos Conselhos torna-se, portanto, uma fábula.

Com o controle do Instituto de Previdência dos servidores em suas mãos, não raro se vê os Prefeitos utilizarem-se diretamente dos recursos previdenciários para seus fins políticos ou para custear a máquina pública. O dinheiro que deveria estar aplicado e rendendo juros para o pagamento futuro da aposentadoria dos trabalhadores acaba financiando obras e pagamento de empreiteiras, fornecedores e a máquina de propaganda das Prefeituras.

Em Joinville os servidores conhecem muito bem essa história. Governo após governo os diferentes Prefeitos utilizam as parcelas previdenciárias em seu benefício. Sangram, literalmente, os cofres do Ipreville para depois devolverem em suaves parcelas mensais vários milhões de reais. Só no atual governo do Prefeito Udo Döhler já foram efetuados dois parcelamentos (no primeiro ano de mandato) e agora, no segundo ano da gestão, novo parcelamento é anunciado. Desde julho a Prefeitura não deposita parte de sua cota patronal. Em dezembro, anunciará novas parcelas para pagar o acumulado até novembro (estima-se que superará R$ 20 milhões).

No passado, até imóveis foram repassados ao Ipreville para que a Prefeitura pusesse as mãos no dinheiro dos trabalhadores. O Instituto de Previdência é proprietário de imóveis como a Rodoviária da cidade, a Fábrica de Artefatos de Cimento, o prédio da SEINFRA, entre outros. Um deles, o complexo da Expoville, está sendo recomprado pela Prefeitura em suaves parcelas mensais. Os demais continuam sendo utilizados pelo governo, apesar da propriedade do Ipreville. Um verdadeiro escândalo.

Recentemente, o governo anunciou que não tem interesse em continuar administrando a Rodoviária. Em nota oficial, a Presidência do Ipreville já comunicou que está fazendo um estudo técnico e que, em dezembro, o Conselho Administrativo vai decidir se o Ipreville administra diretamente a Rodoviária ou se terceiriza para uma empresa qualquer. Independente disso, o Ipreville já se comprometeu com a Reforma do prédio. Em audiência na Câmara de Vereadores na última quarta-feira, (3/9), o Secretário Romualdo França informou que essa reforma deve custar algo em torno de R$ 3,5 milhões de reais. Dinheiro dos servidores municipais de Joinville. Hoje, a Prefeitura paga ao Instituto aluguel pela Rodoviária num valor de R$ 39 mil. Segundo estudos recentes, o imóvel estaria avaliado em R$ 15 milhões e seu aluguel, pelo valor de mercado, próximo de R$ 150 mil. O Ipreville está, literalmente, perdendo dinheiro com esse imóvel. Se o Instituto optar mesmo por administrar o serviço, ficaria com a receita anual de R$ 600 mil, segundo informações do mesmo secretário. Esse valor cobre as despesas de pessoal e manutenção. Ou seja, se administrar a Rodoviária, o Ipreville deixa de receber o pouco que hoje arrecada de aluguel. Se vendesse o prédio pelo valor de avaliação, teria um retorno muito maior em qualquer aplicação bancária mediana. Com um mercado imobiliário desacelerando, seria a melhor saída para os servidores. Mas, no fim, o Conselho Administrativo deve aprovar a indicação do governo, como de praxe.

Apesar de todas as sabotagens, o Ipreville ainda é um dos Institutos de Previdência mais robustos do país. Seu patrimônio – algo em torno de R$ 1,5 bilhão – causa inveja na maioria dos Regimes Próprios dos servidores municipais de outras cidades. A regra para esses regimes têm sido o déficit atuarial e orçamentário e medidas drásticas para tentar evitar a bancarrota. Muito já aplicaram a Segregação de Massas – nome pomposo que significa separar servidores em grupos distintos, conforme o ano de ingresso ou tempo de serviço. A cada grupo, regras distintas. Essa receita, sempre sugerida pelos especialistas contratados pelos Institutos, já vem sendo aventada também para o Ipreville, depois de curva decrescente acentuada nos demonstrativos atuariais dos últimos anos.

Enfim, se não bastasse as sabotagens constantes dos governos locais, há ainda o risco sempre iminente de perder dinheiro em investimentos frágeis das instituições financeiras. O Ipreville carrega ainda o trauma do Banco Santos e, mais recentemente, do BVA. Lentamente, as consequências da fragmentação do Sistema Previdenciário brasileiro começam a aparecer. Há saída para a aposentadoria dos trabalhadores fora de um Sistema Único, Público, Estatal, Universal e Solidário? Os banqueiros, ávidos por se apossar da grana dos trabalhadores, apostam que sim, querem a fragmentação. Aliás, querem mais, querem fundos individuais de aposentadoria para cada trabalhador. Para as centenas de milhares de servidores que têm visto seus fundos serem pilhados ou evaporarem da noite para o dia, a fragmentação rouba seu futuro, sua esperança, sua dignidade.

*Ulrich é presidente do Sinsej

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