O Impacto da Reforma Administrativa nos servidores com filhos PCD.

A Reforma Administrativa do prefeito Adriano Silva (Novo) em Joinville, coloca os servidores públicos, que são pais de crianças atípicas (PCD), em um dilema: ter tempo, mas não ter auxílio financeiro para cuidar dos filhos; ou ter auxílio, mas não dispor de tempo para cuidar dos filhos. Antes, muitos desses servidores conseguiam, por meio de ações judiciais, garantir os dois benefícios, já que cuidar de uma criança com necessidades especiais demanda tempo e recursos financeiros. As mensagens que o Sinsej recebeu de uma mãe atípica, que também é servidora municipal, revelam as dificuldades que a reforma vai trazer e a dura realidade que essas famílias já enfrentam. 

Valores abaixo do necessário para cuidados

A mãe começa compartilhando as condições complexas de seu filho: Transtorno do Espectro Autista (TEA), Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) e Deficiência Intelectual (DI), além de outras comorbidades. Esta situação exige terapias e acompanhamentos constantes. O benefício que a prefeitura oferece, de R$ 450,00 (equivalente a 30% do menor salário da prefeitura), é insuficiente. Ela menciona que uma única consulta com um neuropediatra custa, em média, este valor. O benefício maior, que corresponde a 70% do menor salário, cerca de R$ 1.058,00, é destinado ao reembolso de terapias; mas isso permite, por exemplo, apenas duas sessões de terapia por período, uma vez por semana – bem abaixo da recomendação médica para seu filho. Ela ressalta que o custo real dos cuidados é muito maior que estes valores.

Barreiras burocráticas

Além dos baixos valores dos auxílios, o acesso a eles enfrenta trâmites complicados. Para o benefício maior de R$ 1.058,00, por exemplo, os servidores precisam superar diversas barreiras: a necessidade de notas fiscais detalhadas, certidões negativas de débito (municipal, estadual e federal) dos terapeutas ou clínicas, um plano terapêutico formalizado, a certidão de FGTS dos profissionais, e um longo prazo de reembolso (que pode levar de 50 a 60 dias após o pagamento). Esta burocracia faz com que muitos servidores nem cheguem a utilizar o direito, seja por não entenderem os trâmites, seja por acharem que é inviável na prática ou por simplesmente desconhecerem que têm o direito.

Neste sentido, a prefeitura alega que os servidores podem recorrer, por exemplo, ao Naipe (Núcleo de Assistência Integral ao Paciente Especial). Mas a realidade é que a fila de espera no núcleo ultrapassa as 2.000 pessoas e, mesmo quando são atendidas, elas têm um número limitado de sessões. A própria espera por atendimento é prejudicial, já que o quadro clínico das pessoas com deficiência pode se agravar.

O SUS, por sua vez, não consegue absorver esta demanda devido ao seu desmonte. Os horários disponíveis são insuficientes para comportar a demanda dessas crianças, que envolve terapia ocupacional, fonoaudiólogo, fisioterapia, psicólogo, além de medicamentos variados. É uma pequena amostra do desgaste emocional, de tempo e financeiro que os pais sofrem.

O impacto da Reforma Administrativa e a legislação

A Reforma Administrativa, por meio do PL 24, altera o §2º do Artigo 102 do Estatuto dos Servidores. Este parágrafo prevê que a concessão do auxílio financeiro será suspensa se o servidor optar pela redução de carga horária com redução de salário (prevista no art. 43A do novo texto). Ou seja, a reforma obriga a escolha entre um benefício ou outro, eliminando a possibilidade de acumulação que vinha sendo, a duras penas, garantida judicialmente: além da incerteza de um processo favorável, o servidor tem que arcar com a ação que, fora do sindicato, chega a  R$ 5 mil.

Segundo o advogado do Sinsej, Felippe Veiga, o município sempre tenta se defender dos pedidos de redução de carga horária (sem redução de vencimentos), alegando que deve obedecer ao Estatuto dos Servidores. “Apesar disso, o judiciário catarinense já analisou casos semelhantes, decidindo pela possibilidade jurídica do pedido, na linha de como versa a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, que preconiza que o Estado deve adotar todas as medidas legislativas, administrativa e de qualquer outra natureza para assegurar direitos às pessoas com deficiência (art. 4º, item 1, alínea ”a”)”.

Veiga também explica que, em recente decisão no STF que trata sobre casos análogos ao desta mãe, foi aplicado o  art. 98, § 2° e § 3°, da Lei 8.112/1990 aos servidores municipais e estaduais, que trata justamente sobre a redução de carga horária sem prejuízo ao salário.

 

A estratégia da prefeitura e a base governista na Câmara de Vereadores de Joinville

A mãe tem uma visão bem clara sobre o que está por trás da reforma. Ela explica que o projeto foi inicialmente retirado da pauta porque, se fosse aprovado, a prefeitura teria que incluir os dois benefícios no estatuto, o que seria “pior pra eles” e “mais caro”. A estratégia atual, que mantém a obrigatoriedade da escolha ao alterar o §2º do Art. 102, é vista como uma forma de economizar, já que nem todos os servidores afetados vão entrar com ações judiciais para garantir os dois direitos. 

Um levantamento realizado por um vereador indica que cerca de 350 servidores estão atualmente recebendo o auxílio financeiro de R$ 450,00, mas a mãe acredita que o número real pode ser ainda maior. Ela também observa que muitos não têm coragem de entrar com ações judiciais para reduzir a carga horária, mesmo sabendo que isso é um direito deles.

As mensagens dessa mãe revelam uma situação alarmante. A Reforma Administrativa de Joinville, ao forçar uma escolha entre tempo e auxílio financeiro, ignora a dupla demanda (tempo e altos custos) com o cuidado de filhos com necessidades especiais.

Os valores dos benefícios são simplesmente insuficientes para cobrir as despesas básicas, e o acesso a um benefício maior é dificultado pela burocracia.

A estratégia da prefeitura é evidente: economizar em cima daqueles que mais precisam, aproveitando-se do fato de que nem todos os servidores têm conhecimento ou recursos para lutar pelos seus direitos. Assim, essa medida, que faz parte da Reforma Administrativa, representa um retrocesso significativo, colocando nas costas de famílias já sobrecarregadas o peso que deveria ser compartilhado pelo poder público, desrespeitando a dignidade das pessoas com deficiência e de seus cuidadores. 

A defesa do sindicato:

O Sinsej defende que os dois benefícios sejam assegurados aos pais atípicos: redução de carga horária sem redução de salário e, somado a isto, o auxílio financeiro. Com menos de 500 servidores nesta situação, a economia que a prefeitura diz fazer é ínfima em relação aos R$ 100 milhões destinados a cabides de emprego e cabos eleitorais do Partido Novo. O sindicato também defende que todo o dinheiro seja destinado a concursos e ampliação dos serviços públicos, para que todas as filas sejam zeradas e possam suprir as demandas da população.

O sindicato preparou uma uma cartilha com os pontos da Reforma Administrativa comentados. Os servidores podem acessar este texto aqui.

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